domingo, 16 de novembro de 2014

ECO SILENCIOSO

Eco Silencioso

Paulo Pereira
Rio – Nov/ 2014

Um dia, Manoel de Barros escreveu: “Com pedaços de mim eu monto um ser atônito”.  Agora, releio, no silêncio insone da madrugada, as velhas páginas meio inquietantes do pequeno-grande “Livro Sobre Nada”, do poeta-passarinho Manoel, o conhecido pensador recluso do Mato Grosso, das terras exuberantes do grande Pantanal... Vou, de novo, ao encontro das possíveis essências fundamentais, talvez das sagradas profundezas da natureza, como nos propõe, meio ansiosa, a bióloga Ursula Goodenough, a buscar outros horizontes, reflexões que criem contrapontos, sobretudo, possíveis alternativas. E a poesia de Manoel é por certo uma preciosa alternativa, inteligente e lúcida, que contrasta com tantos descaminhos da vida moderna. Viajo, então, na criatividade e na observação aguda do velho Manoel de Barros, o mago apaixonado pela vida sem complicações, pela vida nua, pela simplicidade natural e pelos pássaros multicoloridos. Enquanto alguns afoitos tecem desconstruções e vivem proclamando tolices complexas, Manoel nos oferta, humilde, belas e perenes sutilezas, verdades delicadamente reveladas, quem sabe até os brilhos incomparáveis das asas de uma borboleta, essas pétalas que flutuam no ar... E eu, Paulo, quero enriquecer meu olhar e, com ele, a minha percepção da poesia incomum de Manoel, com a exata colocação, sobretudo refinada, de Lúcia Castello Branco, registrada nas orelhas do livro de Manoel. Lúcia salienta a imagem-mônada do livro, talvez o sentimento longínquo de uma coisa esquecida, certamente um lápis numa península... E sempre, afinal, o lápis de Manoel, o peregrino da natureza indomável, o doce punhal de grafite a rasgar espaços e expressar pensamentos. Lúcia destaca que Manoel de Barros sempre colecionou epígrafes, citações, referências, notas de rodapé de página, prováveis pistas falsas para encontrar o nada. Para Lúcia, Manoel acaba mostrando-se por inteiro na sua poética da desaprendizagem, em um modelo de expressão excepcional. Tento, então, mergulhar nas afirmadas sutilezas da poesia de Manoel, e experimento êxtases e espantos, revelações e buscas intermináveis. Aprendo, sobretudo, com Manoel que, para ter mais certezas, tenho que me saber de imperfeições... Faço escolhas. Construo caminhos. Uso o lápis também para sujar minhas folhas de papel, para traçar talvez rudes picadas pelos emaranhados dessa vida. Manoel, concordo com ele, diz não precisar do fim para chegar. Se queremos chegar a nada, por exemplo, devemos descobrir simplesmente a verdade. Manoel sempre perseguiu o nada, o grande nada, tudo que use o abandono por dentro e por fora. Manoel me disse, então, nas páginas do seu livro:
“Sou um sujeito cheio de recantos,
Os desvãos me constam.
Tem horas leio avencas
Tem hora, Proust.
Ouço aves e beethovens.
Gosto do Bola-Sete e Charles Chaplin.”

E ainda acrescentou:
“Opero por semelhanças...
Retiro semelhanças de árvores comigo.
Não tenho habilidade para clarezas
Preciso obter sabedoria vegetal
(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã no talo)”...

Manoel de Barros não é um ponto nem é uma vírgula; ele é uma série de reticências... Mas disseram ainda agora (novembro de 2014) que Manoel de Barros teria, enfim, morrido. Duvido muito. Manoel é um encantado atemporal, que reside, teimoso, nos preciosos pormenores. Manoel, passarinho misterioso, deve ter mesmo voado, livremente. Manoel é, afinal, um doce joão de barro (de Barros), mestre de construções assimétricas, morador do arco-íris e do vislumbre. Seria até bom tentar alcançá-lo...

Paulo Pereira

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